O turismo espacial vive uma fase revolucionária

Quatrocentas pessoas já reservaram suas viagens com propósito profissional ou simplesmente de lazer e pagando adiantado

O turismo espacial vive uma fase revolucionária. Mais do que astronautas profissionais, agora são os cidadãos comuns, civis, que passam a viajar no espaço, superando aquela fase em que era somente privilégio de milionários excêntricos, exibicionistas e extravagantes dispostos a pagar muitos milhões de dólares para ganhar notoriedade mundial e fazer uma viagem de uma semana à Estação Espacial Internacional (ISS).

Três fatores abrem novas perspectivas para esse segmento aeroespacial: a evolução da tecnologia dos aviões suborbitais, os novos modelos de negócios e a falta de recursos da Nasa.

Exemplo concreto dessas transformações é o contrato que os dois maiores fabricantes de naves suborbitais - a Virgin Galactic e a XCOR Aerospace - assinaram no final de fevereiro com um instituto de pesquisas científicas, o Instituto de Pesquisas do Sudoeste (SwRI, na sigla de Southwest Research Institute), para levar ao espaço cientistas e pesquisadores, numa série de viagens que pode chegar a 17 voos suborbitais. O SwRI é uma instituição sem fins lucrativos, baseada em San Antonio, Texas, que tem uma receita anual superior a US$ 500 milhões.

Nave SpaceShipTwo acoplada aos aviões White Knight/Mark Greenberg/ Reuters

Esses cientistas vão viajar ao espaço e trabalhar em duas naves, que mais parecem veículos espaciais de ficção - a nave SpaceShipTwo, da Virgin Galactic, e a XCOR Aerospace’s Lynx Mark I -, em pesquisas sobre biologia, microgravidade, clima e astronomia, em uma altura superior a 100 quilômetros ou 328 mil pés acima da Terra.

Os cientistas. 

Os cientistas levarão ao espaço equipamentos científicos e farão uma série de voos dedicados inteiramente à pesquisa. Como viajantes espaciais, foram submetidos a rigoroso treinamento para adaptar-se às condições de gravidade zero.

Para Alan Stern, antigo chefe da Diretoria de Missões Científicas da Nasa, "a contribuição dos veículos suborbitais comerciais da próxima geração é essencial para o avanço de diversos tipos de pesquisa". Em sua avaliação, o contrato firmado entre as indústrias e o SwRI poderá conferir uma imagem de seriedade aos voos comerciais ao espaço.

O transporte de cientistas ao espaço por veículos ultra avançados e desenvolvidos pela iniciativa privada permitirá melhores resultados a custos muito mais baixos do que no passado. Vale lembrar que, depois do anúncio do primeiro contrato entre o SwRI e a Virgin Galactic e a XCOR Aerospace, diversas universidades e laboratórios de pesquisa manifestaram interesse pelos voos comerciais suborbitais.

Capitais privados. A entrada de recursos privados também deverá alavancar projetos espaciais paralisados em decorrência dos sucessivos cortes de orçamentos da Nasa, ao longo dos últimos 10 anos. Essa redução de verbas acabou postergando planos importantes, como os dos veículos sucessores dos ônibus espaciais, bem como das naves que farão as viagens tripuladas à Lua e ao planeta Marte, previstas para 2030.

O mundo inteiro enfrenta redução de recursos públicos para a pesquisa espacial. Essa carência atrai investimentos privados para o setor, em especial para financiar missões tripuladas. É nessa conjuntura que ocorrem privatizações impensáveis até os anos 90, como no caso do cosmódromo de Baikonur, no Cazaquistão, hoje operado por uma empresa privada - a International Launch Services, empresa controlada por capitais americanos - que administra o centro de lançamentos mais famoso da antiga União Soviética.

Novos líderes. Richard Branson, o bilionário inglês dono de um conglomerado de 400 empresas, bem como da Virgin Galactic LLC, primeira companhia de transporte espacial, é uma das figuras mais curiosas desse novo mundo de negócios. Ele comemorava, eufórico, dia 2 de março, o contrato comercial para levar cientistas ao espaço.

Para George Whitesides, presidente e executivo-chefe (CEO) da Virgin Galactic, os voos com objetivos científicos são, sem dúvida, a área mais importante para o crescimento futuro da Virgin. E, para quem não acreditava no negócio, é bom lembrar que 400 pessoas já reservaram suas viagens, com depósitos antecipados tanto para viagens com propósito profissional ou por lazer.

"A nave SpaceShipTwo, inteiramente de fibra de carbono, é o único veículo suborbital tripulado já testado para o envio de seres humanos ao espaço e que evoluiu com base na experiência da SpaceShipOne, vencedora do prêmio de maior prestígio nessa área, o X-Prize", diz Branson.

Andrew Nelson, diretor de operações da XCOR Aerospace’s, aponta o exemplo do SwRI, uma "instituição que não hesita em pôr dinheiro do próprio bolso" num projeto avançado e original. E prevê, confiante: "Em breve, os clientes farão fila em nossos portões".

Para acelerar o desenvolvimento do turismo espacial, a indústria já pensa preparar a próxima geração de veículos suborbitais, como ficou claro ao longo da Conferência dos Pesquisadores da Próxima Geração de Voos Suborbitais, realizada em Orlando, na Flórida, de 28 de fevereiro a 2 de março, e que teve a participação de 300 especialistas.

Design revolucionário. 

O primeiro avião suborbital para voos comerciais, o SpaceShipOne, foi desenvolvido há quase sete anos por uma equipe de engenheiros liderados pelo famoso projetista Burt Rutan e financiados pelo bilionário Paul G. Allen (cofundador da Microsoft ao lado de Bill Gates) num laboratório, o Scaled Composites, em Mojave, Califórnia.

Burt Rutan conta que "o desenho de uma nave desse tipo exige não apenas materiais especiais, mas, principalmente, avançados recursos de software tridimensionais, como os projetos apoiados em computador e soluções aerodinâmicas revolucionárias". O SpaceShipOne fez seu voo histórico no dia 21 de junho de 2004. Foi quando Rutan se juntou a Branson, criador da Virgin Galactic. A empresa está construindo no Novo México, com apoio do governo daquele Estado, o Spaceport America, o aeroporto especializado para os voos suborbitais do futuro.

Pioneiros caprichosos. 

Há 10 anos, mesmo antes dos voos comerciais suborbitais, alguns bilionários já se interessavam pelo turismo espacial. O primeiro a realizar esse sonho foi o americano Dennis Tito. Mesmo contra a opinião da Nasa, ele convenceu os russos a levá-lo a bordo de um foguete Soyuz à ISS, no dia 28 de abril, de 2001, por US$ 35 milhões.

O segundo viajante foi o sul-africano Mark Shuttleworth, que fez seu passeio em 25 de abril de 2002. O terceiro foi Gregory Olsen, cientista e empreendedor americano que viajou à estação espacial no dia 1.º de outubro de 2005. A quarta pessoa foi Anousheh Ansari, empresária de telecomunicações, de ascendência iraniana, no dia 18 de setembro de 2006, tornando-se a primeira turista mulher espacial.

O fundador do Cirque du Soleil, Guy Laliberté, palhaço canadense que se tornou bilionário, desembolsou US$ 35 milhões em 30 de setembro de 2009 para fazer uma viagem bem-humorada à estação ISS, usando aquele nariz vermelho de palhaço, voando numa nave Soyuz com dois cosmonautas.


Fontes: Ethevaldo Siqueira/O ESTADO DE S PAULO

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