Voo 447: 4 minutos da 1ª pane até a queda

Daniel Gonzales

As mensagens automáticas recebidas pela sede da Air France, em Paris, indicam que a tragédia do voo 447 se desenhou em apenas 4 minutos. O primeiro sinal de um possível problema a bordo chegou às 23h10 (hora de Brasília) do domingo, dando conta de que o piloto automático do Airbus A330-200 havia se desconectado. As mensagens seguintes apontam para uma sucessão de graves panes em alguns dos principais computadores do jato. O último alerta foi emitido às 23h14: "cabin vertical speed" (cabine em velocidade vertical, na tradução do inglês).

A informação final, dizem investigadores militares, pode ter duas leituras: queda livre ou uma brusca variação de pressão dentro da cabine, ocasionada por uma descida mais rápida do que o comum. Como a tripulação do A330 não fez nenhuma tentativa de comunicação por rádio e nem a companhia aérea recebeu outros alertas, é possível que esse seja um "indício técnico" de que o avião caiu no Oceano Atlântico.

Após dois dias de buscas, destroços foram identificados a 1.200 quilômetros do Recife, na madrugada de ontem, por aviões da Força Aérea Brasileira (FAB). A confirmação da tragédia, a maior da aviação civil internacional desde 2004, coube ao ministro da Defesa, Nelson Jobim, que se reuniu com as famílias das vítimas ontem à tarde em um hotel da zona oeste do Rio. O avião da Air France tinha 228 passageiros - 59 brasileiros, segundo a companhia aérea. Mas havia brasileiros e estrangeiros com dupla nacionalidade. A lista oficial de vítimas deve ser divulgada hoje.

De acordo com Jobim, não foram visualizados corpos. Um rastro de 5 quilômetros de materiais metálicos e não metálicos comprova que se trata do avião da Air France. Jobim ressaltou que as buscas prosseguem numa área de 9.785 km², mas evitou falar em eventuais sobreviventes. "Não trabalho com hipóteses, mas com resultados empíricos", afirmou.

Os primeiros vestígios foram localizados pelo avião R-99 da FAB, dotado de sensores, por volta da 1 hora de ontem. A identificação dessa área de buscas foi possível com base em informações de pilotos da TAM - na noite da tragédia, o voo 8055, que fazia exatamente o trajeto oposto (Paris-Rio), relatou cinco pontos de luz, nas cores laranja e vermelha, a 10 minutos de deixar o espaço aéreo do Senegal. Às 5h37 de ontem, um Hércules C-130 visualizou manchas de óleo no mar. Às 6h49, foi identificada uma poltrona de avião. Às 12h30, o C-130 detectou a linha de destroços.

A sequência das últimas mensagens,começou às 23h, 20 minutos antes do horário previsto para o Airbus ingressar no espaço aéreo do Senegal, na costa oeste da África. Por meio do sistema Acars (sigla em inglês para Sistema de Comunicação e Reporte), a tripulação informou por escrito à companhia aérea que atravessava uma área sobre cumulus nimbus - região de instabilidade formada por nuvens carregadas de eletricidade, no interior das quais ocorrem rajadas de ventos e tempestades com possibilidade de relâmpagos. Até então, não havia nada de anormal com o voo.

Dez minutos depois, o Acars dispara uma mensagem automática indicando que o piloto automático havia se desconectado. A ação não é atípica e pode ter sido uma iniciativa dos pilotos ou dos próprios sistemas do avião, que "devolvem" os controles para a tripulação sempre que detectam falhas críticas, como uma divergência de cálculos entre o piloto e o copiloto automáticos. A mudança de comando, ao contrário do que se pode imaginar, não pega a tripulação de surpresa, mesmo porque é quase instintivo para a maioria das tripulações colocar as mãos sobre os controles direcionais - joystick, no caso dos Airbus - durante fortes turbulências.

A mensagem seguinte informa que o fly-by-wire (sistema eletrônico de controles das superfícies móveis do avião) passou para o regime de alternative law - um dos estágios da intrincada rede de "proteção por envelopes" dos Airbus. Segundo um especialista nesse tipo de avião, o indicativo de alternative law aponta para uma degradação dos sistemas informatizados do jato.

Todas as mensagens transmitidas nos minutos seguintes indicam mais falhas em computadores essenciais ao voo. Os Adirus (sigla em inglês para Unidade de Referência Inercial em Voo), por exemplo, fornecem, entre outros dados, orientação espacial aos pilotos. Outro que apresentou pane é o chamado Isis, monitor que mostra à tripulação a velocidade vertical no ar e altitude. Sem esses instrumentos, dizem investigadores militares, os pilotos contariam apenas com parâmetros mínimos para a navegação aérea, mas ainda assim suficientes, ao menos por alguns minutos, para manter o avião estabilizado e voando. A hipótese mais provável aqui é de que, desorientada, a tripulação não tenha conseguido controlar a aeronave, fazendo com que ela perdesse sustentação e caísse 11 mil metros de altitude.

O que ainda é um mistério é por que o A330 entrou nessa situação. O jato é equipado com radares capazes de prever condições meteorológicas adversas na rota e escapar do núcleo de cumulus nimbus, onde a instabilidade é ainda maior.

Diferentes fontes ouvidas pela reportagem afirmam que nenhuma pane reportada seria capaz isoladamente de derrubar o avião.

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