Deficiência em falar inglês, ameaça licença de pilotos de avião no país

A Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) mandou pilotos de voos internacionais refazerem a prova de inglês -obrigatória para atuar nesse tipo de voo- por suspeitar que eles não sejam tão fluentes no idioma como dizem.

A medida, segundo a agência, atinge 37 pilotos. O número, porém, pode ser maior: um único advogado mostrou à Folha uma relação com 94 pilotos afetados.

Essas pessoas têm até 15 de dezembro para se submeter a uma nova prova de inglês. Caso não o façam, perderão o direito de atuar em voos fora do território brasileiro.

O inglês é padrão e obrigatório na aviação internacional. A má comunicação pode pôr em risco a segurança e contribuir para um acidente.

A maior parte dos tripulantes é da TAM, a companhia aérea brasileira com mais voos para fora do Brasil. Há ainda alguns da Gol e de empresas de aviação executiva.


IMBRÓGLIO

Todos os tripulantes notificados pela Anac haviam feito a prova de inglês no exterior, em uma escola em Madri avalizada pela Aesa, autoridade de aviação espanhola. Em dezembro de 2011, a Anac passou a reconhecer esses testes como válidos.

O imbróglio começou porque a agência desconfiou do grande número de pilotos que iam a Madri para fazer a prova de inglês e comparou os testes que esses tripulantes haviam feito no Brasil (em órgãos autorizados por ela) com os da capital espanhola.

Resultado: quem fazia o teste na Espanha, na maioria dos casos, melhorava a nota em relação à obtida no Brasil. Em alguns casos, quem foi reprovado na prova brasileira foi aprovado em Madri.

INSPEÇÃO

Em maio, a Anac mandou duas inspetoras para visitar a escola, chamada Flight Crew Training Academy.

Em relatório ao qual a Folha teve acesso, ambas sustentam que "o objetivo do teste de proficiência linguística aplicado pelo centro avaliador (...) não está em conformidade" com os padrões internacionais estabelecidos pela Oaci (Organização Internacional de Aviação Civil).

Em junho, a Anac começou a notificar os pilotos. A medida se deu em "prol da segurança operacional da aviação civil", diz o relatório.


Teste de inglês é barreira para pilotos brasileiros; 25% são reprovados

Provar o conhecimento na língua inglesa se tornou um problema para pilotos brasileiros que procuram atuar em rotas internacionais.

Um em cada quatro profissionais que fizeram as provas desde 2007 foi reprovado.

A regra foi criada há cinco anos pela Icao (organização que regula a aviação internacional) para aumentar a segurança dos voos. Em março de 2009, passou a ser obrigatório no Brasil o piloto provar, por meio de um teste oral, que domina o inglês.

O exame é aplicado pela Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), em Brasília, e por sete empresas credenciadas em outras capitais.

Desde 2007, segundo números oficiais da Anac, 8.549 fizeram a prova e 2.197 (25,7%) não estavam habilitados.

Neste ano, em janeiro e fevereiro, 78 foram avaliados e 45 não passaram (57,6%).

O Sindicato Nacional dos Aeronautas critica o nível de exigência da prova brasileira. "Queremos apenas ter certeza que a nota aqui é a mesma de outros lugares. Que haja um padrão. Como um comandante pode ser entendido por avaliadores americanos ou ingleses e não por brasileiros?", diz o presidente do sindicato, Gelson Fochesato.

Para criar a avaliação no Brasil, a Anac afirma ter contratado um grupo de especialistas em linguística.

Segundo a agência, todas essas empresas participaram de um processo de credenciamento e são fiscalizadas.

Até hoje, 185 profissionais da área recorreram a outros países e conseguiram comprovar a proficiência. O resultado, para eles, saiu na hora.

EXIGÊNCIAS

A nota mínima para aprovação no exame de inglês da Anac é quatro. Os aprovados com essa nota precisam refazer o exame a cada três anos.

A nota cinco corresponde ao nível avançado e exige reavaliação a cada seis anos. A nota seis é a mais alta. Para estes casos é desnecessário passar por outras provas.

O piloto Geraldo Piquet, 67, voa há 25 anos. Desde que soube da exigência, fez três provas. Foi aprovado com nota 4 na primeira (mínimo exigido) e quando ela expirou, no ano passado, tentou prestar o exame mais uma vez. "Não passei, por isso estou tentando este ano outra vez."

"Eles são muito exigentes. Além do nosso nervosismo, eles usam uma gravação de situação hipotética de pane que te pega de surpresa. No avião você está no controle e já sabe qual é o problema."


Anac fere parecer ao afrouxar nível de inglês dos pilotos da TAM


Ao deixar pilotos da TAM com nível de inglês inferior ao exigido por normas de aviação atuarem em voos internacionais, a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) contrariou parecer do seu departamento técnico.

Em 18 de março, o setor da Anac responsável pelos testes de inglês foi contra pedido da associação dos tripulantes da TAM para abrandar as regras, revela relatório a que a Folha teve acesso.

Apesar do parecer, a agência deixou a TAM colocar pilotos com nível 3 (pré-operacional) de inglês em voos internacionais, desde que pilotassem só em solo brasileiro.

A medida contraria regras nacional e internacional --pilotos que atuam em voos internacionais devem ter ao menos nível 4 (operacional).

A Anac diz que não há evidência de infração e que a TAM usa um piloto a mais do que é obrigada --referindo-se a outra norma, que trata do número mínimo de pilotos--, ainda assim só sobre o Brasil.

A TAM adotou o expediente após 13,8% de seus 370 pilotos de voos internacionais terem sido reprovados no teste de inglês --foram do nível 4 para o 3. O índice mais novo é de 5,2% que, diz a empresa, inclui quem espera novo exame e os já aprovados que aguardam a licença chegar.

O país deve cumprir a exigência de inglês desde 2009, mas a TAM queria estender o prazo até 2014. A Anac, porém, considerou que a extensão "conflitaria" com ações que o Brasil adotou "frente à comunidade internacional".

OUTRO LADO

A Anac nega haver discrepância entre seu parecer e o aval para pilotos com inglês abaixo do exigido atuarem em voo internacional.

A agência diz que negou o pedido dos tripulantes da TAM e que permitiu à empresa usar piloto com nível 3 só se for um extra --"além do número exigido por lei"-- e que voe sobre o Brasil.

A TAM diz que segue todas as leis e que passou em todas as auditorias nos últimos meses. Declarou ainda informar às autoridades internacionais quando há piloto autorizado a voar só sobre o Brasil. A ATT não respondeu.

OUTRO LADO 2

Pilotos notificados pela Anac foram à Justiça para que a prova de inglês que fizeram na escola em Madri continue a valer -o que os dispensaria de um novo teste.

Um pedido de liminar foi negado. O advogado deles, Carlos Duque Estrada, disse que já recorreu da decisão.

Ele sustenta que a decisão da Anac ignora o direito adquirido dos pilotos e é incoerente. A Anac, em dezembro, havia validado as licenças obtidas em Madri.

"Se eles dizem que o inglês desses pilotos é insuficiente -e não é- e afeta a segurança, não deveriam deixá-los voar nenhum dia, e não ameaçar suspender a licença em seis meses se eles não refizerem a prova", afirmou.

Segundo ele, todos os pilotos são experientes, alguns com mais de 15 mil horas em voos internacionais, e falam inglês. "Quer dizer que a Anac é melhor que a agência europeia de aviação? O nível de qualidade lá é maior do que no Brasil", afirmou.

Ainda de acordo com o advogado, os pilotos decidiram fazer a prova fora do país porque é mais barata ("cerca de R$ 400, contra R$ 2.000 no Brasil") e rápida, pois é emitida de um dia para o outro.

A TAM disse operar "todos os seus voos internacionais de acordo com os regulamentos do setor e nos mais elevados níveis de segurança. A empresa cumpre todas as exigências da Anac referentes à proficiência de língua inglesa". A Gol diz que todos os seus pilotos têm documentação em dia. A Folha não conseguiu falar na Flight Crew.

Fonte: FOLHA DE S PAULO

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