França divulgará oficialmente o documento em 5 de julho.
Tragédia que matou 228 pessoas completou 3 anos nesta sexta (1º).
Investigação sobre a tragédia do AF447, que deixou 228 mortos em 2009, já foi concluida pela França (Foto: Marinha/Divulgação)
Nos segundos finais, eles tentaram impedir o acidente, mas a aeronave já estava em tão baixa velocidade que reverter a queda do Airbus A-330 da Air France – que havia partido do Rio de Janeiro e seguia em direção a Paris – no Oceano Atlântico, há 3 anos, era praticamente impossível.
A disposição de informações no painel e o design da cabine da aeronave foram fatores que contribuíram para dificultar que a tripulação identificasse a ação errada do copiloto menos experiente – que estava com os comandos – e também que o avião estava caindo porque perdeu sustentação.
Esses registros constam no relatório final que o BEA (Escritório de Investigações e Análises, na sigla em francês, encarregado das investigações) promete divulgar em 5 de julho. O documento já foi recebido por Brasil, EUA e Alemanha para as considerações finais, conforme apurou o G1. Segundo a legislação internacional, a Convenção de Chicago, os países têm 60 dias para enviar sua posição. O BEA pode não mudar o texto com base nas ponderações feitas, mas elas deverão obrigatoriamente constar no final do relatório.
A investigação confrontou dados das caixas-pretas com ações da cabine e respostas da aeronave e apontará que o desenho da cabine, o automatismo do Airbus e a falta de treinamento adequado estão entre os principais condicionantes para que os pilotos não entendessem por que o avião caía.
Outros três relatórios preliminares foram produzidos pelo órgão francês. O último já trazia as informações das caixas-pretas e relatava que o copiloto mais novo estava no comando da aeronave. O comandante havia deixado o posto para ir dormir pouco antes de entrar em uma tempestade, sem fazer uma divisão clara de tarefas entre os copilotos.
Durante a passagem pela tempestade, a baixa temperatura externa congela os sensores pitot e bloqueia a medição de velocidade. Sem informações corretas, o Airbus sai do piloto-automático.
O copiloto mais novo assume os comandos e, em uma atitude que não se sabe explicar, eleva o bico da aeronave, fazendo o alarme de estol (perda de sustentação) tocar duas vezes.
Com o procedimento de subida, o avião perde ainda mais velocidade e realmente começa a perder sustentação. O alarme de estol toca mais de 70 vezes – algumas delas por quase um minuto ininterrupto.
O copiloto mais novo, que está nos comandos, mantém sempre esta ação de subida, enquando o corrreto seria jogar o bico do avião para baixo, recuperando velocidade e sustentação e impedindo o acidente.
Nenhum dos pilotos havia recebido treinamento em caso de perda de sustentação de Airbus em alta altitude e sem informações confiáveis de velocidade. O copiloto mais experiente chega a dar, em alguns momentos, a ordem para que o colega tome a atitude correta, mas não se dá conta da ação equivocada de seu companheiro, e isso foi dificultado pela falta de informações sobre a real situação de estol no painel do Airbus.
Ao ser chamado pelo copiloto mais experiente, o comandante retorna à cabine cerca de 3 minutos após a queda do piloto automático. Ele não entende o que ocorre e não toma nenhuma atitude. Menos de 1 minuto depois, o Airbus choca-se com a água.
Em nenhum momento, os passageiros receberam aviso de problema. Todos os 228 a bordo morreram na tragédia. Apenas 153 corpos foram identificados após as buscas.
Sistema de controle
O BEA criou um grupo de trabalho para tentar entender as ações da tripulação na cabine e se fatores psicológicos – como pressão, estresse, sobrecarga de trabalho ou conhecimentos prévios – interferiram na tragédia. Mas o que os pilotos pensaram na ocasião é impossível determinar. Uma das hipóteses são as mudanças realizadas durante o voo nos modos de controle do sistema “fly-by-wire”, da Airbus.
Quando o piloto automático desconecta, o computador passa de “normal law” (modo que protege o avião contra movimentos equivocados e evita o estol) para “alternate law” (com poucas proteções sobre as ações do piloto). Há duas formas de “alternate law” – uma com e outra sem proteção de estol.
Quando os pitots congelaram e o computador passou a receber informações discrepantes de velocidade, o A330 entrou em "alternate law" sem proteção de estol. É possível que o piloto novato não entendesse algumas das restrições do sistema e nunca houvesse voado nesse modo.
Confira 11 fatores que culminaram no acidente no AF 447 em 1º de junho de 2009:
O voo AF 447 partiu do Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, na noite de 31 de maio. Quando voava sobre a região monitorada pelo Cindacta do Recife, o controlador de voo faz contato com a tripulação acreditando ser outro voo, também da Air France, que havia partido de São Paulo no mesmo horário. O comandante percebe o erro e avisa.
Minutos depois, o controlador passa uma nova frequência de rádio que a tripulação deve usar para o contato com Senegal (a próxima área de cobertura de radar). O comandante repete os números (a ação é chamada de cotejamento), mas troca 1 dos 12 dígitos. O controlador no Recife não percebe o erro.
Mais tarde, um controlador brasileiro tenta contato – sem êxito – três vezes com o AF 447. A região não é coberta por radar, e a aeronave não estava conectada a um sistema via satélite que permitiria o envio de dados.
Houve demora da Air France em informar o desaparecimento do voo e para começar as buscas. Também os controles do espaço aéreo de Brasil e Senegal demoraram para notar o sumiço do Airbus A330.
Aviões e navios de França, EUA e Brasil foram deslocados para a região apenas durante o dia. Segundo a caixa-preta, a queda aconteceu às 2h14min28s GMT (23h14 no horário de Brasília). Os primeiros destroços e corpos começam a ser encontrados quase uma semana depois.
Quando a aeronave segue para a tempestade, as nuvens carregadas preocupam um pouco os pilotos. Eles comentam os fatores meteorológicos e que já haviam enfrentado outras situações semelhantes e piores. O nível de turbulência aumenta ligeiramente, mas isso não chega a assustar.
A tempestade pode ter atuado como fator psicológico, como aumento de estresse. E houve falha na análise das condições meteorológicas. A tripulação poderia ter mudado a rota e desviado da tempestade, como outras aeronaves que fizeram o mesmo trajeto naquela noite.
Na passagem por cima da tempestade, a temperatura externa cai muito e há a formação de gelo nas sondas pitot, que deixaram de mandar informações corretas sobre a velocidade. O sistema passou a receber três informações diferentes de velocidade, e o piloto automático se desconectou.
A Air France informou na época que estava em processo de troca das sondas por outras que resistem a até - 50ºC. A fabricante e as agências que regulam a aviação civil na Europa e no Brasil poderiam ter exigido que o modelo só voasse a altas altitudes com pitot de maior resistência.
Os pilotos não entendem o que está acontecendo, mesmo com o alarme de estol tocando 75 vezes. Eles também não entendem quais informações eram corretas. Nenhum dos pilotos identificou formalmanente a situação de estol e nenhum dos pilotos faz referência em voz alta ao estol, o que é um procedimento padrão. Os passageiros não receberam nenhum aviso.
Quando o piloto automático se desconecta, o piloto mais novo começou a colocar o bico do avião para cima, provocando a situação de estol. Não se sabe o motivo que o levou a tomar tal decisão. A ação correta seria jogar o bico do Airbus para baixo, para ganhar velocidade e recuperar sustentação.
O BEA apontou que "em menos de um minuto após a desativação do piloto automático, o avião sai de seu domínio de voo, como resultado das ações de pilotagem manual, predominantemente de elevar o nariz".
O copiloto mais experiente (David Robert, de 37 anos, e com 6.547 horas de voo) demorou muito para perceber que seu companheiro tomava a atitude errada. Só entendeu nos últimos segundos antes de o Airbus se chocar com a água.
O relatório preliminar já apontou a necessidade de um sistema com mais autonomia para o posto do copiloto, permitindo uma maior divisão de tarefas no controle do Airbus.
Não há como saber o que levou o copiloto menos experiente a cometer o equívoco e por que os outros dois pilotos não entenderam o alarme de estol. Uma das possibilidades é o sistema de controle do Airbus (fly-by-wire). Os pilotos poderiam estar acreditando que estavam em um modo de controle – que a aeronave entrou após a perda das informações e a queda do piloto automático – que tinha proteção para estol (perda de sustentação).
Não se sabe se os pilotos ignoraram o alarme de estol porque acreditavam se tratar de um sinal espúrio.
Outra questão é a inexistência de uma indicador visual aos pilotos, durante a queda, do real nível de estol (o fator é chamado de incidência e ativa o alarme de perda de sustentação).
A posição e o desenho da cabine podem ter dificultado o piloto mais experiente a não perceber a atitude errada do novato. O "control stick" (ou "side stick", equipamento semelhante ao controle de videogame usado para enviar ordens ao computador) está posicionado embaixo da janela lateral, ao lado do assento de cada um dos pilotos. Essa posição poderia atrapalhar um dos pilotos a ver as ordens que o outro está passando para a aeronave.
Esta observação, porém, é relativizada porque o comando aparece no painel de controle à frente dos pilotos quando a ordem é dada. Apesar da baixa velocidade e de o avião não estar mais voando, os pilotos, na cabine, não perceberam e nem tiveram a visualização de que isso ocorria.
Os pilotos não haviam recebido treinamento para lidar com perda de controle automático em alta altitude e nem sobre como reverter situações de estol em alta altitude.
A perda de sustentação da aeronave é a causa da queda do A-330. O avião estolou e permaneceu nessa situação devido ao procedimento equivocado do piloto, segundo o BEA.
O relatório final vai recomendar melhorias no sistema de alarme e na forma em que os pilotos possam visualizar diretamente no painel a incidência de inclinação da aeronave e a situação de estol.
O G1 procurou a Air France, mas até a publicação desta reportagem não obteve retorno.
Em nota ao G1, a Airbus respondeu "que as autoridades que investigam o acidente não identificaram quaisquer problemas relacionados às aeronaves" e que "até hoje, não houve recomendações" relacionadas ao modelo. "O relatório do BEA ainda não foi publicado, então qualquer menção na imprensa é mera especulação", diz a fabricante.
Sobre a funcionalidade da cabine, a Airbus diz que "tem sido utilizadas ao longo de décadas e foi concebida junto aos pilotos das companhias aéreas e das autoridades do setor". A construtora acrescenta que "o sistema de cockpit Airbus Fly-by-Wire está em operação desde 1988 e já contabiliza 143 milhões de horas de voo e 65 milhões de voos até hoje”.
Fontes: G1 - BEA
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