VOO AF 447: Pilotos do voo 447 poderiam ter salvo a situação, diz BEA

Situação poderia ser contornada mesmo sem dados da velocidade, disse. Terceiro relatório sobre o acidente identificou série de falhas da tripulação.

Jean-Paul Troadec durante entrevista nesta sexta-feira (29) na sede do BEA (Foto: AP)

Os pilotos do voo 447 da Air France, que caiu no Oceano Atlântico em 2009 matando todos os 228 a bordo, poderiam ter salvo a situação mesmo depois que a cabine não recebia mais os dados de velocidade, disse nesta sexta-feira (29) o chefe do BEA, agência francesa que investiga o acidente.

"A situação era salvável", afirmou Jean-Paul Troadec, diretor do Escritório de Investigações e Análises, em entrevista depois da divulgação do terceiro relatório sobre o acidente, que indicou uma série de erros dos pilotos.

A Air France respondeu à divulgação do relatório defendendo seus pilotos e dizendo que não há dados suficientes para responsabilizá-los.

O relatório final do acidente deve sair "provavelmente" no primeiro semestre de 2012, disse Troadec.

"Todos os dados obtidos exigem uma análise mais sistemática que demanda muito tempo", disse.

Ele disse que uma questões que ainda precisar ser respondidas é por que os pilotos não deram atenção ao alerta de perda de sustentação da aeronave.


Investigação quer entender ações de pilotos antes do acidente

O diretor do BEA, órgão francês que investiga as causas do acidente do voo 447, disse nesta sexta-feira (29) que vai ser criado um grupo de trabalho "fator humano" para entender as ações da tripulação nos últimos minutos do voo antes do acidente.

A informação foi dada em entrevista após a divulgação do terceiro relatório parcial sobre o acidente. O documento afirma, com base na análise de dados das caixas-pretas, que os pilotos cometeram uma série de erros.

Fatores psicológicos e até mesmo de ergometria das cadeiras dos pilotos e do cockpit serão estudados para entender o que levou a tripulação do AF 447 a tomar as decisões que, segundo o relatório, levaram à queda do avião, disse Troadec.

Sobre o fato de o comandante de bordo ter escolhido o copiloto mais jovem e com menos experiência de voo para ocupar seu lugar, Troadec afirmou que, normalmente, é o piloto em função (que estava à direita) que ocupa o lugar do comandante quando esse decide descansar. No caso do AF 447, era o mais jovem.

Essa escolha, pessoal do piloto, é feita antes da decolagem. Segundo Troadec, a escolha do piloto era um procedimento normal, não havia nada de irregular.

“Não são os mais experientes que têm mais competência. Tudo estava dentro do regulamento”, afirmou o diretor do BEA.

Divulgação de diálogo do voo 447 confirma que mais novo pilotava

Diálogos registrados pela caixa-preta do voo AF 447 e divulgados pelo Escritório de Análise e Investigações (BEA) da aviação civil da França mostram que o copiloto com menos horas de voo estava no comando do Airbus da Air France quando os pitots (sensores) congelaram e a aeronave caiu no Oceano Atlântico em 1º de junho de 2009, deixando 228 mortos.

Segundo a degravação da caixa-preta de voz, que registra as conversas dos pilotos na cabine, o copiloto Pierre-Cedric Bonin, de 32 anos, e com 2.936 horas de voo, diz que possui os comandos e descreve para o colega, o copiloto mais experiente, David Robert, de 37 anos, e com 6.547 horas de voo, o que está fazendo. Isso continua após o retorno à cabine do comandante de bordo, Marc Dubois, de 58 anos, e com quase 11 mil horas de voo.

O comando do avião só muda de mãos às 2h13min45, quando Robert, segundo o BEA, diz para o copiloto com menos horas de voo que irá pegar os comandos. Conforme o BEA, Robert diz a Bonin: "Então me passe os comandos, me dê os comandos".

Pela descrição, durante a queda e após a perda das informações de voo devido ao congelamento dos pitots, Bonin diz aos colegas que está cabrando (elevando o bico do nariz) da aeronave, o procedimento que, segundo o BEA, foi errado para reverter a situação de estol (perda de sustentação do avião), que começou a cair. Quando o alarme de estol começou a tocar, os pilotos deveriam ter jogado o bico do avião para baixo.

"É o Bonin (o copiloto mais novo) que está operando o avião, mas os outros dois, o copiloto mais experiente e comandante estão ali e poderiam ter assumido o controle a qualquer momento se percebessem que ele estava fazendo uma coisa errada", diz o comandante e presidente do Sindicato Nacional dos Aeronautas, Jorge Sucupira. "Qualquer um que estivesse naquele lugar não saberia o que fazer, talvez até o próprio comandante faria algo errado", acredita ele.

Às 2h13min40s, Bonin, o copiloto mais novo, diz: "Mas eu estou empinando (jogando o bico para cima) já há algum tempo". O comandante então diz: "Não, não, não suba mais". É neste momento que Robert, o copiloto com mais horas de voo, alerta que a aeronave está caindo e pede os comandos para si.

Para Sucupira, o momento foi de confusão total na cabine, os pilotos não entenderam o que deveria ser feito e, por isso, tomaram uma atitude errada após a perda das informações da aeronave, como velocidade e altitude, quando os pitots congelaram.

O especialista em segurança de voo e diretor nacional das escolas de aviação, Marcus Reis, diz que o fato de o copiloto com menos horas de voo estar no comando da aeronave no momento da pane é indiferente para a queda. "Os dois copilotos fizeram simulador, os dois tiveram a mesma instrução. Não é por ser cinco anos mais novo que isso interferiu no acidente. O erro não foi dele, os três estavam ali na cabine e não entenderam o que estava acontencendo", afirma Reis.

"Os dois copilotos podem ter o controle se quiserem, mas um deles sempre dá os comandos e o outro verifica as informações, por causa da divisão das tarefas. Mas isso não atuou para o acidente", acredita.

Leia, a seguir, trechos finais dos diálogos gravados na cabine do voo 447:

2h11min21 - Robert - Nós ainda temos os motores. O que está acontecendo (...)?
2h11min32 - Bonin - (...) eu não tenho mais os controles do avião. Eu não tenho nenhum controle do avião.
2h11min38 - Robert - Vire à esquerda
2h11min41 - Bonin - Eu tenho a impressão (que temos) a velocidade
2h11min43 - (Barulho de abertura da porta da cabine)
Dubois - O que vocês estão fazendo?
Robert - O que está acontecendo? Eu não sei, eu não sei o que está acontecendo
2h11min52 - Dubois - Então peguem os comandos logo
2h11min58 - Bonin - Acho que temos um problema, que tem muita variação.
Dubois - Sim.
Bonin - Não tenho mais nenhuma indicação
2h12min04 - Bonin - Tenho a impressão que nós estamos numa velocidade maluca, não? O que vocês acham?
2h12min07 - Robert - Não sei, mas não solte (...)
2h12min13 - Robert - O que você acha? O que você acha? O que devemos fazer?
2h12min15 - Dubois - Eu não sei. Está descendo.
2h12min26 - Robert - A velocidade?
2h12min27 - Robert - Você está subindo. Você está caindo, caindo, caindo
2h12min30 - Bonin - Mas eu estou caindo?
Robert - Caindo
2h12min32 - Dubois - Você está subindo
2h12min33 - Bonin - Eu estou subindo? Ok, então vou descer
2h12min42 - Bonin - Quanto subimos?
2h12min44 - Dubois - (...) não é possível!
2h12min45 - Robert - Como está a altitude?
Bonin - Estamos caindo ou não?
Robert - Agora você está caindo
Dubois - Coloque as asas na horizontal
Bonin - É o que estou tentando fazer
Dubois - Coloque as asas na horizontal
2h13min25 - Bonin - O que está havendo... Por que nós continuamos caindo?
2h13min28 - Robert - Tente encontrar um jeito de acionar os comandos lá pra cima, os principais etc.
2h13min36 - Bonin - Nove mil pés
2h13min39 - Robert - Sobe, sobe, sobe, sobe
2h13min40 - Bonin - Mas eu estou empinando já há algum tempo
Dubois - Não, não, não, não suba mais
Robert - Agora caindo
2h13min45 - Robert - Então me passe os comandos, me dê os comandos
2h14min05 - Dubois - Atenção, você está subindo.
Robert - Estou empinando?
Bonin - Bem, é o que nós devemos fazer, estamos a 4 mil pés
2h14min18 - Dubois - Então puxa.
Bonin - Puxa, puxa, puxa, puxa
2h14min26 - Fim das transmissões




Três fatores contribuíram para queda do AF 447, diz investigação da França

Relatório preliminar do Escritório de Investigação e Análise para a segurança da aviação civil (BEA), órgão francês responsável pela investigação das causas do acidente com o voo AF 447, aponta que três fatores principais contribuíram para a queda: falha no treinamento dos copilotos, a perda de sustentação da aeronave e problemas de coordenação na cabine.

O Airbus A-330 fazia a rota entre Rio de Janeiro e Paris em 1º de junho de 2009 quando caiu no Oceano Atlântico deixando 228 mortos. O relatório foi divulgado nesta sexta-feira (29) e toma como base as informações das caixas-pretas da aeronave.

Segundo o BEA, contribuíram:

1) Pilotos
Houve o que é chamado na aviação de "falha de gerenciamento da cabine". O comandante de bordo foi descansar em momento crítico, em que enfrentariam uma tempestade, e saiu sem dar ordens claras e sem dividir tarefas entre os copilotos. Ao retornar para a cabine durante a queda, não retomou o controle. A cabine estava sob situação de confusão, em que os pilotos tentaram ao mesmo tempo dar ordens ao avião e não adotaram procedimentos esperados, como fazer checagem de informações antes de tomar uma decisão.

2) Estol (perda de sustentação que leva à queda)
Os pilotos não reconheceram o alarme de estol (perda de sustentação) e não entenderam o que estava ocorrendo com a aeronave. Em nenhum momento eles falam em voz alta (como seria o esperado) que o alarme de estol soava - o que ocorreu por 54 segundos ininterruptos - e que a aeronave estava caindo. Não se sabe ainda o porquê, mas eles adotaram o procedimento errado, contrário ao esperado para recuperação de estol, elevando o nariz da aeronave.

3) Treinamento
Os pilotos não haviam recebido treinamento para entender o que ocorria com o avião após o congelamento dos pitots (sensores de velocidade) e a perda das informações em alta altitude. Eles também não haviam recebido treinamento para controlar manualmente a aeronave naquela situação após o desligamento do piloto automático e para recuperar o avião da situação de estol em alta altitude.

O escritório de investigação francês divulgou ainda uma lista com dez recomendações de segurança de voo que devem ser adotados para evitar novos acidentes.

Congelamento dos pitots
O BEA confirma que o acidente foi desencadeado após os pitots (sensores) congelarem durante uma tempestade, começando a enviar informações erradas sobre a velocidade e outros parâmetros para a cabine e desligando o piloto automático.

Como o comandante de bordo estava descansando, um dos copilotos assume o controle e o alarme de estol (perda de sustentação) começa a tocar.

A partir de então, o copiloto sempre eleva o bico da aeronave para cima, chegando a mais de 38 mil pés (cerca de 11,5 mil metros de altura). O procedimento padrão para recuperação estol é o inverso ao adotado pelo piloto, e sim de jogar o bico da aeronave para baixo, buscando ganhar velocidade e recuperar a sustentação, e impedindo a queda, afirmam especialistas e investigadores de tragédias aéreas.

'Eles não erraram', diz especialista

"Este relatório reconhece que a tripulação não tinha informações técnicas suficientes para agir e realizar o maior desempenho possível para impedir a queda", diz o comandante Jorge Barros, investigador da reserva da Força Aérea Brasileira (FAB) e especialista em segurança de voo.

"O BEA também diz que os pilotos não entenderam a situação de estol, principalmente por falhas no treinamento. Não tem como atuar numa pane se eles não sabem o que fazer, não foram treinador para isso", afirma o oficial.

"Para mim, isso não significa erro dos pilotos. Erro é quando você é treinado para fazer um procedimento e adota um inverso.

Eles não erraram, pois não sabiam o que fazer porque não lhes foi passado", acrescenta.Outro aspecto levantado por ele é que o BEA destaca recomendações para que a Airbus melhore o projeto do avião.

"O painel sem dados, o alarme tocando, a falta de treinamento, e a engenharia da aeronave construíram uma armadilha para que o acidente ocorresse. Os pilotos caíram numa armadilha", afirma Barros.

Sem entender nada

O BEA diz que a saída do comandante da cabine, para descansar na metade do voo, foi feita sem recomendações clara e que não havia uma repartição explícita de tarefas entre os dois copilotos. Antes de ir dormir, o comandante avisa aos subordinados que enfrentarão uma tempestade e pede ao segundo copiloto, mais jovem e com menos experiência, que assuma o lugar onde estava sentado.

Quando o piloto automático cai, após o congelamento dos pitots, o primeiro copiloto assume os comandos. Mas o BEA aponta que eles "não identificaram e anunciaram a perda das velocidades" e também não adotaram os procedimentos corretos neste caso. Segundo a investigação, os copilotos não tinham recebido treinamento sobre o que fazer neste caso e nem em como segurar o avião fora do piloto automático naquela altitude.

"O piloto não entendeu o que estava acontecendo na aeronave. Ou o avião é complicado ou o treinamento é incompleto. O ser humano foi selecionado e treinado pela empresa aérea. Se ele erra, o responsável pelo desempenho dele é a companhia”, acredita Barros.

O G1 divulgou com exclusividade em junho que, um ano após a tragédia, a Airbus emitiu um comunicado alertando para que os pilotos treinassem recuperação de estol.

A investigação destaca que o avião caiu sempre na horizontal, tocando a água com velocidade de 200 quilômetros por hora, e que, durante os 3 minutos e 30 segundos que durou a queda, nenhum anúncio foi feito aos passageiros.



Fontes: G1 - BEA - Agências

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