Falha técnica derrubou voo 447

'Se não tivesse havido o problema nas sondas pitot, não teria havido o acidente', afirma presidente do órgão francês de investigação

Imagem de arquivo/AIRKRANE

O escritório francês de investigação (BEA) concluiu que uma pane técnica, que levou a uma série de ações da tripulação - possivelmente equivocadas -, levou à queda do voo 447 da Air France (Rio-Paris), em 31 de maio de 2009. "Se não tivesse havido o problema nas sondas pitot (de velocidade), não teria havido o acidente", disse ao Estado o diretor do órgão, Jean-Paul Troadec, após a divulgação do primeiro relatório sobre a tragédia que deixou 228 mortos.

O documento de quatro páginas sobre as circunstâncias técnicas em que o Airbus caiu não deixa margem para dúvidas: a responsabilidade dos equipamentos se dá porque, ao sofrer congelamento - causado possivelmente por condições meteorológicas -, um dos três sensores se desligou, enquanto outros dois passaram a informar ao sistema eletrônico de navegação do Airbus informações contraditórias. Assim, o piloto automático e o sistema de autoimpulsão foram desligados, deixando aos pilotos o comando das operações.

A partir daí, as decisões da tripulação são o centro das dúvidas que persistem. Ao Estado, Troadec confirmou que os dois copilotos adotaram um comportamento fora do padrão. "O procedimento comum é reduzir a altitude do avião, inclinando o nariz do avião ligeiramente para baixo", explicou. "Queremos compreender por que os pilotos do 447 tentaram ganhar altitude, levantando o nariz do avião", observou. "Outros aviões também tiveram problemas nas sondas pitot, que foram contornados, permitindo que os voos seguissem seus trajetos até um pouso seguro. Logo, ainda há algo de diferente no caso específico do voo AF-447."

Empresas. Em nota oficial, a Air France reconheceu a falha das sondas e elogiou a tripulação, que lutou às escuras. "Fica estabelecido (nos diálogos) que o comandante (Marc Dubois) rapidamente interrompeu seu repouso para retornar ao posto de pilotagem. A tripulação, reunindo competências dos três pilotos, provou o profissionalismo."

A companhia afirma ainda que "o construtor (Airbus) e a companhia tomaram as medidas necessárias para evitar a repetição de tal acidente". Nesse trecho, a nota se refere à substituição das sondas pitot de marca Thales AA por modelos da marca Goodrich, o que se tornou uma determinação internacional. Por seu lado, a Airbus laconicamente disse que "o trabalho do BEA constitui um passo significativo". A empresa Thales não se pronunciou.

'Não estou entendendo nada', dizia copiloto

Os últimos três minutos e meio do voo 447 no Oceano Atlântico foram marcados pelo desconhecimento. A revelação foi feita por Jean-Paul Troadec, diretor do BEA. Segundo ele, as gravações das caixas-pretas não dão sinais de que os passageiros estivessem cientes do que ocorria. Na cabine, não houve despressurização nem queda das máscaras de oxigênio. Não houve pânico.

Já o cenário na cabine de passageiros contrasta com a cabine de comando. Nela, os copilotos e, mais tarde, o piloto Marc Dubois sabiam que uma pane eletrônica grave estava em curso e a situação exigia procedimentos de emergência. Mas eles não tinham a exata noção de que a aeronave caía vertiginosamente em direção ao mar.

Os problemas no voo tiveram início às 2h10min05s - hora de Greenwich (23h10 no Brasil) -, quando o piloto automático do avião se desligou. Nesse mesmo instante, um dos copilotos assumiu o comando da aeronave. "Eu tenho o controle", afirmou, de acordo com a caixa-preta.

Com base nesses dados incongruentes, as primeiras decisões foram tomadas pela tripulação. E essas deliberações foram feitas às escuras, como mostram as gravações. As 2h10min16s, um copiloto disse: "Nós perdemos as velocidades". A seguir, ele diz: "Modo alternativo", informando que os sistemas eletrônicos de proteção contra perda de sustentação estavam desligados.

Inclinação. 

O avião ganhou então inclinação de 10 graus e tomou trajetória ascendente. Nesse momento, o piloto da aeronave, Marc Dubois, não estava em seu assento - estava em pausa de repouso regulamentar. Às 2h10min50s, os copilotos tentaram chamar Dubois. Em um momento, um dos copilotos exclamou: "Eu não estou entendendo nada".

Sustentação. 

Às 2h10min51s, o alarme de perda de sustentação foi acionado mais uma vez. Ao término de um minuto, a incoerência de velocidade desapareceu e os motores continuaram a funcionar, como sempre estiveram até cair.

Às 2h11min40s, o comandante entrou na cabine. "Nos segundos que se seguem, todas as velocidades registradas tornam-se inválidas e o alarme de perda de sustentação para", explica o relatório, detalhando mais à frente: "As ordens do copiloto (nas gravações) foram principalmente para "elevar o nariz"". Essa decisão teria sido determinante para que o avião perdesse sustentação, iniciando os últimos 3 minutos e 30 segundos do 447 em direção ao mar.

Para famílias, relatório é parcial

O presidente da Associação de Familiares de Vítimas do Voo 447, Nelson Faria Marinho, criticou o relatório da investigação. "Esse documento fala muita coisa e não diz nada." Ele perdeu o filho no acidente e insiste para que o conteúdo da caixa-preta seja avaliado por técnicos de um país neutro, para garantir a isenção do relatório.

Para Maarten Van Sluys, irmão da funcionária da Petrobrás Adriana, que estava a bordo, o documento é inconclusivo. "Recebi e-mail de um dos líderes do sindicato dos pilotos na França e ele já me dizia ontem (quinta-feira) que haveria represália se os pilotos fossem responsabilizados no relatório. Isso influenciou a redação final do relatório", observou, sem deixar de fazer ressalvas. "Incriminá-los seria injusto", ressalvou, mas o fato de a redação final se adequar ao que esperava o sindicato francês é um indicativo de que o relatório está sujeito a pressões. Ele criticou ainda o fato de não terem sido divulgados os nomes dos fabricantes das peças, como a francesa Thales, que fez o pitot. "No relatório final, não vai ter como não citar todos os nomes dos responsáveis. Aguardamos o inquérito criminal, que corre na justiça francesa, em que Airbus e Air France são citadas por homicídio culposo", afirma.

Na França. Já na Europa as informações do relatório foram bem recebidas pelas famílias de vítimas. Presidente da Associação Ajuda Mútua e Solidariedade AF-447, Jean-Baptiste Audousset pediu moderação em relação aos dados, preferindo esperar pelo relatório final do BEA. Mas comemorou o fato de não ter havido contato entre os pilotos e os passageiros no momento da perda de sustentação do avião. "Talvez os passageiros não tenham sentido mais do que uma turbulência mais forte do que as tempestades causam."

A mesma esperança tem Robert Soulas, pai de uma das vítimas e genro de outra. "Espero que eles não tenham se dado conta de nada." Já para a jornalista brasileira Renata Mondelo Mendonça "o relatório tem conversas cortadas". "Talvez tenham tentado preservar as famílias para a gente não imaginar o desespero e o horror que eles passaram."


Fontes: Clarissa Thomé e Andrei Netto - O ESTADO DE S PAULO - BEA - Agências

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