'Meteoro humano' planeja salto a 36 mil metros de altura

Austríaco quer ser o primeiro homem a quebrar a barreira do som com o próprio corpo

Com uma roupa de astronauta nada confortável, ele marcha silenciosamente até uma grua que o eleva a 100 metros do chão para uma espécie de bungee jumping. Do alto da plataforma, fecha o capacete, ergue o polegar e, segundos depois, está no ar, caindo com braços e pernas abertos em forma de “x”. “Mais uma vez, para você se acostumar!”, diz o médico de sua equipe, Jonathan Clark.


REENTRADA: Felix Baumgartner voa nos céus da Califórnia para testar a resistência da roupa espacial
1. ROUPA | A carcaça de fibra de carbono é feita para suportar choques violentos. Dentro, o traje impedirá os intensos raios UVB
2. CAPACETE | Dentro dele haverá um sistema aquecido para evitar o congelamento do visor e pequenos microfones que farão a comunicação com a equipe
3. LUVAS | Também pressurizadas, não permitem muitos movimentos, mas terão espelhos para que o para-quedista consiga enxergar os aparelhos, já que o capacete limita a visão

Felix Baumgartner, em tese, não precisaria se acostumar à queda livre. Com 41 anos, o austríaco salta de paraquedas desde os 16 e já estabeleceu recordes pulando dos Petronas Towers (prédios de 452 metros de altura, na Malásia), do braço do Cristo Redentor e cruzando o Canal da Mancha, entre França e Inglaterra, usando asas de carbono. O currículo, no entanto, não é suficiente para seu mais ousado plano: saltar a 36.570 metros de altura e ser o primeiro homem a quebrar a barreira do som com o corpo (coisa que apenas alguns aviões e foguetes já fizeram e que ele atingirá quando passar de 1.100 km/h na estratosfera). O salto deve acontecer entre novembro e dezembro deste ano.

O mais perto da façanha que alguém chegou foi quando Joe Kittinger, da força aérea americana, saltou a 31.300 metros em 1960, até hoje o recorde mundial. Depois dele, dois paraquedistas morreram tentando: o soviético Pyotr Dolgov, em 1962, e o americano Nick Piantanida, em 1966. Ambos tiveram problemas com seus capacetes e não resistiram à pressão baixa e aos ventos de mais de 120 km/h que sopram na estratosfera. Por conta disso, morreram de falta de oxigenação no sangue.

Na altitude em que Baumgartner pretende saltar, cinco quilômetros acima da marca de Kittinger, há mais perigos do que todos os outros já enfrentaram. Com temperaturas abaixo dos -56 °C e ponto de ebulição da água de 36,6 °C, se alguma parte da roupa de 46 quilos falhar, seu sangue ferve em seis segundos. Há grande possibilidade ainda de que a queda livre (de 5 minutos e meio, a mais longa já feita) seja atrapalhada por uma corrente de ar que o faça rodopiar e perder o controle. Isso para não mencionar que qualquer falha, contando que ele chegará à velocidade máxima de 1.190 km/h, pode significar a desintegração do corpo do paraquedista em pouquíssimo tempo.

Para enfrentar esses e outros perigos desconhecidos, Baumgartner treina exaustivamente há três anos. O time envolvido na empreitada, financiado desde 2007 pela companhia austríaca de bebidas Red Bull, chega a repetir um teste 12 vezes ao dia para reduzir os riscos. São 60 profissionais de todo o mundo, entre cientistas, médicos, engenheiros e conselheiros da área — como o próprio recordista Joe Kittinger, hoje com 82 anos. Eles conduzem voos em câmaras de ar com velocidades superiores a 200 km/h, saltos de aviões a 7 quilômetros de altura e provas para evitar falta de oxigenação no sangue. No fim, tudo se repete com maior grau de dificuldade. “Tentamos antecipar todos os problemas”, diz Kittinger, que usará um rádio para aconselhar Baumgartner durante a empreitada. “Ele estará pulando de onde homem nenhum pulou antes e em velocidade supersônica. É um ambiente muito hostil”, diz Kittinger. Para manter o foco na fase final do projeto, o austríaco fala apenas o necessário com amigos mais próximos e a equipe, nada de imprensa.

O plano

Baumgartner, que já reclamou do desconforto da roupa pressurizada, passará dentro dela as duas horas mais longas de sua vida até chegar aos 36 mil metros de altitude, já na alta estratosfera. A principal tecnologia do lançamento é parecida com a usada cinco décadas atrás: um colossal balão de polietileno de meio milhão de dólares, desenvolvido pelo ex-diretor de lançamento, o tecnologista brasileiro Ricardo Corrêa. A peça de 300 metros de diâmetro e 1,5 tonelada será inflada com gás hélio e subirá puxando uma cápsula de fibra de vidro, onde o saltador ficará a -20 °C. “Ao chegar a 10 quilômetros de altitude, na troposfera, o balão descarregará um lastro de chumbo para manter a velocidade e atingir a altitude”, diz Corrêa. É aí que Baumgartner entra em cena, filmado por 15 câmeras de alta resolução.

O traje pressurizado vai mantê-lo aquecido e com oxigênio. A tecnologia, com costuras finas e flexíveis, permite que a umidade saia e, ao mesmo tempo, barra a entrada do vento congelante, que pode chegar a -73 °C. Quando o paraquedista atingir o solo, em alguma região desértica do Novo México, nos Estados Unidos, o médico Jonathan Clark e seus seis especialistas estarão a postos e conectados aos três GPS de Baumgartner, que ainda carregará um espelho para ser encontrado mais facilmente. No fim, o austríaco deve entregar aos engenheiros todos os dados que conseguiu com seu kit de medição preso à roupa, que inclui o aparelho de telemetria (para medir distâncias), uma câmera HD de 120 graus para gravar diferentes aspectos do salto e um minicomputador com informações de ambiente e estrutura corporal.

DIA APÓS DIA: Felix treina desde 2007 para o salto, numa rotina que chega a 12 testes diários

A corrida pela estratosfera

“Não é apenas o recorde”, diz o diretor médico da equipe. Clark tem uma motivação sentimental para fazer parte do projeto. Está relacionada ao pior momento de sua vida, quando a ex-mulher, a astronauta Laurel Clark, morreu após uma falha na asa esquerda do ônibus espacial Columbia, em 2003. Se ela e seus companheiros tivessem um método seguro para saltar na hora em que descobriram o problema de engenharia, poderiam estar vivos. “A partir da análise dos resultados de Felix, iniciaremos a solução de escape dos astronautas em emergências.”

Como no tempo de Kittinger, não há apenas um lado em busca da tecnologia espacial: o paraquedista e ex-coronel da força aérea francesa Michel Fournier, de 66 anos, tentará saltar a 39.620 metros de altura, no Canadá, apoiado por investidores.

Visto como o primo pobre nessa disputa, ele ainda depende de mais verbas para o projeto. “Nunca julgue a aparência. Você pode ter uma bela roupa, mas isso não faz o homem que está ali”, diz Fournier. Será a sua quarta tentativa — em todas as outras, houve problemas antes de levantar voo.

Para o recordista, Kittinger, o sucesso dos dois dependerá do céu limpo e dos preparos técnicos. Mas ele não esconde crer em forças maiores ao revelar o conselho que dará ao pupilo. “Direi para ser metódico, ter concentração e confiar em Deus.” Baumgartner, que não fala com quase ninguém e parece rezar de tão quieto a cada teste, já obedece.


Fonte: Época/Guilherme Pavarin

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