Depoimentos de funcionários colhidos pelo GLOBO, sob compromisso de não revelar suas identidades, demonstram insatisfação generalizada, do comandante ao atendente do check-in. Preocupado com os rumores da greve, o Ministério Público do Trabalho de São Paulo convocou para a próxima segunda-feira uma reunião entre a empresa e sindicatos, na tentativa de abrir um canal de negociação e mediar os conflitos.
Os problemas vieram à tona com os atrasos e cancelamentos de voos em cascata no início da semana por falta de tripulação. Ainda que não haja uma adesão em massa, uma eventual paralisação poderá causar estragos, pois o quadro da Gol já é muito enxuto. O movimento dos trabalhadores da empresa, que começou silenciosamente pela internet com os copilotos, vem se fortalecendo. Já está marcada para a próxima sexta-feira, às 13h, uma assembleia para decidir a pauta da paralisação.
Salários abaixo da média do mercado, jornada excessiva e falta de benefícios, como seguro de saúde e plano de previdência, são as principais queixas. Mas há também quem reclame das condições precárias dos materiais e equipamentos essenciais para execução de tarefas necessárias às atividades diárias nos aeroportos, como cadeiras quebradas, computadores e impressoras ultrapassados.
O assunto greve foi tratado quinta-feira numa reunião em São Paulo com o Sindicato dos Aeronautas com cerca de cem funcionários, segundo o diretor da entidade, Carlos Camacho. Ele disse que as denúncias em função da escala apertada apontam para um quadro preocupante:
- Uma das que me chamou a atenção diz que comandantes e copilotos estão revezando períodos de descanso em voos noturnos e diurnos, pedindo aos comissários que constantemente entrem na cabine de comando para evitar que eles caiam no sono. Isso é muito grave.
Um comandante contou ao GLOBO que costuma voar duas madrugadas seguidas, incluindo o tempo parado dentro do avião no solo à espera de nova programação.
- Duas madrugadas seguidas matam qualquer cidadão - disse, acrescentando que toda a tripulação trabalha à exaustão, ainda que recebendo horas extras.
- A gente está trabalhando para a CVC (nos fretamentos) e para a Gol. Tem avião, mas não tem tripulante - disse o comandante, que tem 15 anos de experiência, 8.500 horas de voo e ganha por mês R$ 12 mil, contra a média de mercado de R$ 15 mil.
Um funcionário do check-in que trabalha no aeroporto Tom Jobim (Galeão) contou que sempre extrapola a carga de seis horas por dia em meia hora, 40 minutos. Com remuneração mensal de R$ 1.250 e uma filha pequena, conta que tem que bancar sozinho um plano de saúde:
- A vontade de todo mundo é de parar mesmo, mas muitos têm medo. O clima está muito ruim.
Segundo um despachante técnico, que calcula o peso da aeronave antes da decolagem e o informa ao comandante, os atrasos no embarque na Gol devido à carência de pessoal fazem com que ele tenha um tempo reduzido, de apenas 10 minutos, enquanto o ideal seria de 20 minutos, para realizar o trabalho.
- Trabalho sob pressão e não posso falhar. Se eu informar um peso errado para o piloto, ele pode dar uma carga no motor não correspondente e o avião pode não sair da pista durante a decolagem - disse o despachante, acrescentando que as condições físicas também não são adequadas.
- A estrutura da empresa está ruim. No Galeão, é preciso chegar uma hora mais cedo todo dia para pegar um computador bom e uma cadeira que não esteja quebrada. A impressora é velha e para toda hora.
Ele também se queixa que a empresa tem trocado a folga do domingo (uma a cada mês, segundo a legislação) para um dia da semana. Essa compensação, disse, faz com que não haja vida pessoal.
Os mecânicos de manutenção fazem no mínimo 40 horas extras todo mês - além do permitido -, contou um deles. Ele reclama que trabalha debaixo de sol e chuva e que a empresa se recusa a pagar adicional de periculosidade:
- A escala é apertada. Se alguém adoece, acabou.
Sistema de escalas não tem informações importantes
Uma comissária reclama que o novo sistema de escala adotado pela empresa retirou informações importantes, como número de horas noturnas voadas e o local de residência do funcionário para permitir, assim, que ele fique mais tempo em casa no fim da jornada.
Na primeira entrevista depois do caos no fim de semana, o vice-presidente de gestão da Gol, Ricardo Khauja, negou ao GLOBO que exista uma crise dentro da empresa ou que haja descumprimento das regulamentações sobre jornada de trabalho, como apontado pelos trabalhadores, e risco à segurança nos voos da companhia:
- Não existe caixa preta dentro da companhia. Estamos recebendo os inspetores da Anac (para verificar o cumprimento das normas).
Ele afirmou que, no momento, a companhia não teme a greve e não acenou com propostas num eventual processo de negociação, porque ainda não recebeu uma pauta de reivindicação:
- Não existe crise. A gente teve um grave problema operacional no último fim de semana, mas foi pontual.
O executivo destacou também que a Gol já nasceu sem os benefícios dos planos de saúde e previdenciário.
A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) já anunciou que aplicará uma multa de, no mínimo, R$ 2 milhões em razão dos transtornos causados aos passageiros nos últimos dias . Mas, com as reclamações de usuários, o valor da multa pode chegar a R$ 5,5 milhões.
Fonte: O Globo/Geralda Doca
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