Há meio século três empresas se uniam para começar uma revolução aeronáutica. Conheça a história da operação que transformou a rota Rio-São Paulo em mito
Último voo do Electra II entre RJ e SP
A 5 de janeiro de 1992 o Lockheed L-188 PP-VLX da Varig realizou o seu último voo da ponte-aérea Rio - São Paulo, deixando saudades aos seus utilizadores. neste vídeo vemos a reportagem do Jornal Nacional da Rede Globo.
Matéria interessante sobre a aeronave:
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A Ponte Aérea dos dias atuais é mais uma questão cultural do que propriamente uma estratégia de negócios. Desde 1999, o acordo que unia as empresas em torno da operação não existe mais e as companhias voltaram a oferecer voos de modo independente. Nada de balcão e grade de horários compartilhados ou equipamentos padronizados e intercâmbio de bilhetes. Mas essa volta à (quase) informalidade não tornou a ligação menos importante: a rota entre os aeroportos de Congonhas, em São Paulo, e de Santos Dumont, no Rio de Janeiro, é uma instituição. E, ao longo de suas cinco décadas, vem colecionando toda uma mitologia de histórias, personagens e glamour.
A importância dessa verdadeira conexão umbilical aérea entre as principais metrópoles brasileiras é tão essencial que o consultor de empresas e economista Stephen Kanitz considera a rota um termômetro do PIB bra-sileiro: “um dos mais antigos indicadores da atividade econômica no Brasil era o número de passageiros da ponte aérea Rio-São Paulo, normalmente executivos entabulando negócios futuros”, escreveu recentemente em seu blog O Brasil que Dá Certo.
Da mesma forma que o PIB circula pelos salões dos aeroportos paulistano e carioca, celebridades também se tornaram sinônimo de ponte aérea desde o início da operação. Foi assim nos anos 1950, quando astros dos estúdios Vera Cruz e Atlântida passeavam pelos saguões e lhes emprestavam um ar mezzo Hollywood, mezzo Cinelândia. E, a partir dos anos 1970, época em que o glamour ganhou a cara dos grandes nomes da televisão, figuras fáceis nas salas de embarque e desembarque desde então.
Após meio século, a Ponte Aérea se tornou uma das quatro linhas mais movimentadas do mundo. Transporta em média 300 mil pessoas por mês, de acordo com dados da Infraero de 2008. Para se ter uma idéia da grandeza desse número, seria como se toda a população de uma cidade paulista do porte do Guarujá ou de Taubaté resolvesse viajar entre as capitais no mesmo mês. A operação atual se restringe a quatro companhias. TAM e Gol/Varig concentram a maior parte dos pousos e decolagens, enquanto a Ocean Air, com menos horários, tenta comer pelas beiradas. As empresas oferecem mais de 120 partidas diárias com uma freqüência média de impressionantes 10 minutos.
A ligação aérea influencia até mesmo o mercado imobiliário paulistano. Bairro vizinho ao aeroporto, Moema vem se tornando nos últimos anos um verdadeiro pedaço do Rio em São Paulo. Os cariocas fecham um em cada três contratos de locação na área, segundo as maiores empresas especializadas do mercado. A explicação por essa preferência é prática, mas com uma pitada de sentimentalismo: a região fica no meio do caminho entre Congonhas e o pólo financeiro da avenida Luis Carlos Berrini. Mas também a percepção de proximidade entre as metrópoles criada pela ponte ameniza a saudade desses paulistanos biônicos. E, de quebra, os moradores têm o Parque Ibirapuera ao lado, além de acesso a shoppings, lojas e a uma das mais comentadas vidas noturnas da cidade.
A história dos voos comerciais entre Rio e São Paulo nasceu em 1936. Mas essa conexão só atingiu a maioridade com a chegada da Ponte Aérea. Essa operação inovadora espelhou com fidelidade o espírito daquele período que passou para a história como os “Anos Dourados”. E 1959 foi uma época e tanto.
O Rio de Janeiro vivia seus últimos meses como capital federal em 1959 – posteriormente perderia esse título para Brasília. Mas não se sentia nem um pouco menos central. A recém-nascida bossa-nova emergia com a sina de um movimento histórico. E a Cidade Maravilhosa era o palco principal do dinamismo febril que tomava conta de corações e mentes naquele final de década. Eram os anos JK, nos quais o país, sob comando do presidente Juscelino Kubitschek, sonhava saltar “cinqüenta anos em cinco”.
A 380 quilômetros de distância via aérea, São Paulo encontrava de vez sua vocação de megalópole. Ao longo daquela década assumiu o posto de maior cidade brasileira. E esse desenvolvimento ganhou um empurrão com a força de muitos HPs. Em 1959, a indústria automobilística nacional dava seu primeiro grande passo – ou seria rpm?: já no mês de janeiro, os primeiros fuscas made in Brasil começaram a sair da linha de montagem da VW, em São Bernardo do Campo, na região metropolitana da capital paulista.
Como ímãs gigantes, os dois centros urbanos concentravam atenções econômicas e culturais do país. E também se atraíam mutuamente. Nesse cenário de ebulição, a aeronáutica também protagonizou sua própria mudança revolucionária. Há 50 anos, no dia 6 de julho, São Paulo e Rio de Janeiro ganhavam uma nova instituição: a Ponte Aérea.
Os anos dourados da rota Rio-São Paulo decolaram graças a uma acirrada disputa comercial. O consórcio Real Aerovias, dono de uma fatia de 35% do movimento entre as metrópoles, pressionava os rivais com ações ousadas e uma disposição competitiva que incomodava. Sozinhos, seus principais adversários, Varig, Vasp e Cruzeiro do Sul, pouco podiam fazer. Mas... E se juntassem forças? E se os passageiros pudessem embarcar no primeiro vôo disponível sem se preocupar de qual empresa tinham comprado bilhete? E se os voos fossem organizados de modo a manter a frequência a mais curta e regular possível?
As respostas a essas perguntas se revelaram um daqueles momentos de inovação pura que parecem óbvios depois de alguém colocar em prática. Para o público-passageiro foi uma espécie de nova bossa-aérea feita para revolucionar e durar até se revestir de clássica. Isso porque, antes do surgimento da operação unificada, o caos era regra.
Sete empresas transportavam passageiros entre Rio e São Paulo, mantendo uma freqüência de 40 saídas diárias. No entanto, como a filosofia era cada um por si, às vezes até três aviões decolavam juntos no mesmo horário. E alguns vazios. A consequência da sobreposição de voos eram períodos demorados nos quais os passageiros ficavam, literalmente, a ver navios - na Baía da Guanabara, pelo menos - enquanto esperavam por horas a vez de embarcar.
A pressão da Real acabou por dar o estímulo que faltava às outras três grandes operadoras da conexão Rio-São Paulo a passar por cima das diferenças. E aquelas respostas às necessidades dos passageiros começaram a tomar forma. Varig, Vasp e Cruzeiro do Sul iniciaram sua parceria de modo informal. Quase clandestino.
Longe dos olhos das diretorias, representantes dos aeroportos das três companhias começaram, por conta própria, a fazer ajustes em suas grades e a colaborar entre si para viabilizar a operação. A Ponte Aérea começou sua gestação assim, meio marginal, mas com alma de grandeza, como um certo samba baiano de batida jazística. Apenas que, em lugar do violão havia aviões. E, ao invés de João, Tom e Vinícius, o trio da Ponte era composto pelos gerentes da Varig, Carlos Ivan Siqueira, da Vasp, Antônio Deléo, e da Cruzeiro do Sul, Juarez de Azevedo.
Demorou pouco para que as direções das companhias tomassem conhecimento da iniciativa de seus gerentes operacionais. E acolheram a idéia sem pestanejar. Os presidentes da Varig, Rubem Berta, da Cruzeiro do Sul, José Roberto Ribeiro Dantas, e da Vasp, brigadeiro Oswaldo Pamplona, apressaram-se em costurar um acordo formal. Desse modo, em 21 de maio de 1959, assinaram um termo de compromisso que criava a Ponte Aérea. O nome, inclusive, já constava desse ofício assinado pelos três comandantes das empresas aeronáuticas.
No dia 6 de julho, os aeroportos de Congonhas e Santos Dumont abriam as portas e surpreendiam todos com a novidade. A Ponte Aérea oferecia saídas regulares a cada 30 minutos. E havia um balcão unificado para a compra das passagens. Mais surpreso ainda ficou Linneu Gomes, presidente da Real. A líder sentiu o golpe. Mas se manteve no páreo até o fim. Essa concorrência só terminou em 1961, quando, combalida por uma crise, a Real acabou sendo incorporada pela Varig. Mas essa é outra história.
Ao longo dos 50 anos seguintes, empresas fecharam ou foram incorporadas, novas companhias surgiram e o grupo - assim como as metrópoles - mudou radicalmente. Das fundadoras, hoje somente a Varig continua na rota. E, mesmo assim, apenas a marca resiste, pois toda sua estrutura faz parte da Gol Linhas Aéreas. A concorrência acirrada novamente dita a regra, mas a operação unificada deixou um legado de cooperação informal entre as corporações, com práticas como endosso de passagens, por exemplo, e uma grade de partidas e chegadas racional. A Ponte Aérea atual tem vários nomes, muitos balcões, mas continua fiel ao espírito de sua fundação: ser o veículo de ligação entre forças que dão asas ao país.
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