Colisão política à vista

A Aeronáutica prefere os aviões suecos Gripen na bilionária licitação para renovar a frota de caças do país e entrega um pepino voador a Lula, que quer porque quer os franceses Rafale

Fotos Lucas Dolega/Corbis/Latinstock/AFP/Divulgação

Lula e o presidente da França, Nicolas Sarkozy, já acertaram a compra dos Rafale (à dir.):
faltou combinar com a Aeronáutica, que insiste na opção sueca




ESCOLHA TÉCNICA
A Aeronáutica convenceu-se de que o caça Gripen (à esq.), além de ser mais barato, é o mais eficiente

Quando o presidente Lula retornar a Brasília nesta semana, depois de ter passado o recesso de ano-novo refrescando-se nas águas tranquilas da Praia de Inema, na Bahia, pousará sem paraquedas na primeira encrenca política de 2010. Os brigadeiros da Força Aérea finalmente encerraram a licitação para escolher qual modelo de caça substituirá a envelhecida frota do país – e fizeram o favor de optar pelo avião que o presidente não quer.

Após meses de exaustivos testes em voo e de criteriosas análises tecnológicas dos caças Rafale, da França, F-18 Super Hornet, dos Estados Unidos, e Gripen, da Suécia, os militares decidiram-se pelo último. Trata-se de um investimento estratosférico: o governo pretende gastar cerca de 10 bilhões de reais na compra de 36 caças. São 10 bilhões de motivos para barulho, como ficou evidente na semana passada depois da revelação do relatório técnico da Aeronáutica. Para os militares, que tiveram o apoio sigiloso da Embraer, os aviões escolhidos constituem o melhor negócio porque são mais baratos, mais eficientes, gastariam menos quando fossem à oficina e, sobretudo, permitiriam a transferência integral de alta tecnologia à Força Aérea e também à Embraer. O único defeito: são aviões suecos, não franceses.

A divulgação do relatório da Aeronáutica, que ranqueou os caças, deixando o francês em terceiro lugar, exasperou a cúpula do governo. O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, estava em Paris, de onde declarou que a compra é uma "decisão política" do presidente. "O barato às vezes sai caro", acrescentou, recorrendo ao mesmo argumento dos vendedores de lojas de departamentos quando querem empurrar ao cliente uma geladeira de duas portas em vez de uma.

O ministro da Defesa, Nelson Jobim, foi mais diplomático. Pediu aos militares que refizessem o relatório final para que não contivesse um ranking, mas tão somente análises técnicas, de modo que o presidente não se sinta constrangido se fechar negócio com os franceses – desautorizando, assim, a Aeronáutica.

A origem dessa confusão encontra-se na atitude inconveniente de Lula de anunciar a compra dos caças Rafale, em setembro do ano passado, antes que a Força Aérea tivesse terminado a avaliação técnica dos aviões. Inconveniente porque, embora a decisão final seja política, trata-se de uma concorrência internacional, com regras comerciais e critérios militares que precisariam ser obedecidos.

A preferência desabrida pelo Rafale explica-se, ao menos na superfície, pelo acordo militar que o país firmou no ano passado com a França. Nele, o Brasil entra com dinheiro e os franceses, com influência geopolítica e a venda de armamentos.

Os diplomatas do governo Lula, antiamericanos até o último pelo de suas barbichas, acreditam que a França seja o parceiro ideal para bailar com o Brasil na corte das potências mundiais. No Itamaraty, espera-se, inclusive, que o bilionário dote pago aos franceses seja decisivo para que o país consiga um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, convite que consagraria a entrada do Brasil na elite do poder mundial.

A primeira parte do acordo materializou-se quando o governo anunciou contratos militares com a França da ordem de 20 bilhões de reais, que incluem a compra do casco do submarino nuclear que a Marinha brasileira tenta construir há duas décadas, de submarinos convencionais e de helicópteros. O presidente Nicolas Sarkozy apareceu em Brasília no desfile do Dia da Independência, e Lula, mesmo sem a presença da hipnotizante primeira-dama Carla Bruni, encantou-se tanto com o charme francês que foi lá e bomba: anunciou que o Brasil compraria também os caças Rafale.

Na semana passada, com a ameaça de perder o negocião, os franceses reagiram. O ministro da Defesa da França, Hervé Morin, fez cara de quem comeu escargot estragado e indagou: "É possível comparar uma Ferrari, que é o Rafale, com um Volvo, que é o Gripen?". Os militares brasileiros tiraram a Ferrari do meio da história. Para minimizar a crise e dar uma forcinha indireta para que o negócio vá em frente, o presidente francês defendeu publicamente o ingresso do Brasil no Conselho de Segurança.

Sabe-se que as declarações de Sarkozy são insuficientes para que isso aconteça: a China se opõe fortemente ao pleito brasileiro. Ao fim desse folhetim, o Brasil pode ficar sem assento no Conselho e com um avião dispendioso demais para as necessidades do país, de acordo com quem vai de fato pilotá-lo. Ao contrário do que diz Amorim, é o caro que pode sair ainda mais caro.

Fonte: VEJA/Diego Escosteguy

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